Fui convidado para participar de uma “Live” para falar do papel do líder na difícil tarefa de dar apoio emocional aos profissionais da empresa que perderam parentes para o COVID-19.

Embora o luto, que nos obriga a lidar com a realidade inevitável da finitude da vida, represente um dos maiores desafios para a humanidade, especialistas em psicologia, coaching e inteligência emocional, recomendam que devemos reconhecer que o luto é parte natural de nossa existência e tem um papel importante no reequilíbrio da vida após a perda de entes queridos.

A perda nos leva a entender que a vida não será mais a mesma e que precisamos nos adaptar à nova realidade. As pesquisas demonstram que uma vez terminada a crise, a maioria das pessoas possuem a necessária resiliência para se recuperarem e reconstruírem suas vidas.

No luto, oscilamos entre períodos de tristeza e sofrimento e períodos de aceitação e paz. Devemos vivenciar cada uma das emoções experimentadas sem julgamento, sem resistência. Aceitá-las como instrumentos de ajuste e adaptação às mudanças da vida.

A COVID-19 nos força a lidar com vários tipos de perdas e a forma como lidamos com estas perdas depende da natureza do vínculo que temos com pessoas, trabalho, bens, segurança pessoal, material e financeira, projetos de vida. A pandemia atual nos obriga a realizar a importância que estes vínculos têm para cada um de nós e como estes são frágeis. A vontade de abraçar um filho, um irmão, de saborear uma refeição em um restaurante na companhia de familiares e amigos, até mesmo a rotina que tínhamos podem representar uma perda.

Estudiosos do comportamento humano chamam essas perdas de perdas ambíguas porque carecem de clareza e definição de um evento único como a morte. Estamos sofrendo também da perda antecipatória que é aquele sentimento de incerteza sobre o que o futuro nos reserva. A perda antecipatória não se restringe somente à morte de um ente querido de idade avançada, ou que tenha recebido a notícia de uma grave doença. Com o Coronavírus, este tipo de sofrimento antecipatório nos deixa muito confusos porque nossos circuitos neurais de sobrevivência nos colocam em alerta para alguma ameaça terrível, mas que não conseguimos vê-la. Isto afeta nosso estado emocional de forma impactante porque sentimos a perda de segurança, nos sentimos coletivamente mais frágeis do que nunca e, talvez como nunca antes de maneira tão generalizada no planeta, como agora. Uma ameaça terrível que não conseguimos ver, cujas armas para enfrentá-la estão parcialmente em nossas mãos e sem data certa para ser eliminada.

Esta falta de clareza e sentimento de impotência pode nos imobilizar, nos impedir de ocuparmos um papel relevante durante a crise e de seguirmos em frente com resiliência e sem perder nossa identidade, nossa essência humana. O luto não se restringe somente àquilo que sentimos falta hoje, mas também ao impacto que as perdas têm e poderão ter para nossa identidade. O trabalho, por exemplo, é uma atividade que não se restringe somente ao ganha pão, mas que define em grande medida nossa identidade, nossa autoestima e inúmeras crenças que temos sobre o papel do trabalho na vida.

OS ESTÁGIOS DO LUTO, DO SOFRIMENTO

Vários líderes enfrentam casos de mortes de parentes de funcionários e de próprios colaboradores. Muitos clientes nos têm pedido apoio nesta difícil tarefa. O entendimento dos estágios do luto, ou tarefas a serem gerenciadas, representa uma estrutura importante para que possamos desempenhar este difícil papel. Embora os estágios não ocorram necessariamente de forma linear, o entendimento de cada um desses estágios nos habilita a dar apoio à nossa organização de maneira humana e mais segura, nesse contexto tão dramático, inesperado e que pegou a maioria das pessoas de surpresa e despreparada para exercer esse papel.

Saliento que temos estilos diferentes para lidar com o luto, mas, respeitando as diferenças, todos ansiamos por estima e pertencimento, especialmente nos momentos de extrema fragilidade e estresse. Exploro logo após os estágios do luto, em maior detalhe, alguns dos instrumentos potentes para lidarmos com os custos da pandemia atual.

O primeiro estágio do luto é negação ou denegação no qual não aceitamos a má notícia ou tentamos dar uma conotação irreal para ele. Exemplo: Não é possível! Não pode ser verdade! Ou, você não deve estar com tal doença. Vamos refazer os exames! Ou, este vírus não nos afetará. E, se afetar, será uma gripezinha.

Incentive sua colaboradora a verbalizar seus sentimentos, mas esta pode não ser a maneira que esta pessoa lida com o consolo da perda. Ela pode preferir estar só, em silêncio. Se este for o caso, o importante é a pessoa saber que você está disponível e se empatiza com sua dor. A “presença” empática e solidária é importante nestas horas.

Caso ela se sinta à vontade para verbalizar seus sentimentos com você, explique o quão importante este exercício de nomear emoções, sem julgamentos, é para atenuar a dor, para promover a necessária resiliência para o ressurgimento para uma nova vida.

O segundo estágio é a raiva. O que fiz para merecer isto? Por que eu? Ou, estou obrigado a ficar em casa, meu emprego corre risco, minha empresa não tem nenhuma receita desde o início do distanciamento social.

Sugira que sua colaboradora escreva uma carta para o ente querido que perdeu, como pretende honrar a memória dessa pessoa. Que escreva um diário, no qual ela possa descrever como esse evento afetou sua vida, que emoções está experimentando e como pode usá-las como instrumento de aprendizagem e mudanças. Que metas gostaria de estabelecer para sua vida agora, como transformar essas emoções em atividades construtivas em sua vida?

O terceiro estágio é a negociação. Ajude sua colaboradora a direcionar seus pensamentos para a valorização do quanto o ente querido perdido era importante para ela, a nutrir gratidão pelas contribuições que fez para a vida dela. A verbalizar algo como “A pessoa que perdí foi importante na minha vida, ela não está mais, mas honrarei a memória dela sempre que puder. Carregarei comigo seu exemplo de vida.”

O quarto estágio é a tristeza. Não sei até quando vai durar esta tristeza, parece que não terá fim.

Sugira que ela abrace a tristeza, lhe dê as boas vindas, tente ler a energia, dados e informações contidas nessa emoção que parece tão avassaladora e infindável. Vivencie a tristeza sem tentar racionalizá-la, suprimí-la, jogá-la debaixo do tapete. Diga, não se faça pressão para afugentá-la para negá-la. Vivencie, vivencie até que comece a gerar percepções sobre como melhor lidar com essa dor indescritível.

A rede social de apoio – amigos, parentes e colegas é crucial para que essa pessoa encontre recursos para lidar com a perda. Sugira que procure e aceite a tentativa de amigos e parentes falarem com ela

O quinto estágio é a aceitação. Na aceitação passamos a sentir um certo controle sobre a situação, o poder que temos na situação. Encontrei conforto nos meus familiares sobre a perda que tivemos, fui um apoio importante para minha família durante a dor do luto. Ou: Eu posso cuidar de minha higiene pessoal. Eu posso manter distância segura das pessoas. Posso trabalhar em home office. Posso encontrar soluções alternativas para gerar receita.

Adicionaria um sexto que é o significado e propósito uma competência emocional que proporciona um sentido dominante de significado à vida. Tema já explorado em meu outro post sobre a importância da inteligência emocional na crise do COVID-19.

NOMEIE SUA DOR

No desenvolvimento da inteligência emocional chamamos esta competência de nomear as emoções de alfabetização emocional. Quanto mais alfabetizados formos, quanto maior a granularidade de nosso vocabulário emocional, melhor nossa capacidade de lidar com os estressores da vida de maneira construtiva e de transformar os eventos positivos também em recursos estratégicos para fortalecer nossa resiliência emocional.

O vocabulário emocional menos desenvolvido como por exemplo: “Estou me sentindo ótimo” e “Estou me sentindo péssimo”. Se você percebe uma emoção em você ou nas pessoas e as categoriza com esse baixo nível de alfabetização emocional, isto significa que damos poucas opções para o nosso cérebro prever, categorizar e perceber emoções para nos fornecer opções para respostas mais flexíveis e úteis na crise ou em qualquer outro momento.

Mas, se consegue distinguir significados mais específicos dentro de “ótimo”, como por exemplo: feliz, contente, empolgado, descontraído, esperançoso, inspirado, orgulhoso, grato, bem-aventurado.

E múltiplos significados de “péssimo” como: irritado, aborrecido, alarmado, vingativo, maldoso, rabugento, desconsolado, mortificado, desconfortável, com temor, ressentido, medroso, invejoso, amargo, melancólico.

Com essa granularidade emocional, conseguiremos gerar melhores resultados na vida. Quanto maior a granularidade emocional do indivíduo, maior a eficiência na previsão, categorização de suas sensações e, consequentemente, ações mais eficazes na vida para lidarmos com as perdas resultantes do COVID-19.

MAPEAMENTO DIÁRIO DE EMOÇÕES

Utilizamos uma potente ferramenta para fortalecer a alfabetização emocional de nossos clientes que é o mapeamento diário de emoções. Inúmeros estudos demonstram que o mapeamento diário de emoções trás melhorias significativas para a saúde física e emocional das pessoas. Ao buscarem palavras para nomear as perdas, neste caso da crise atual, as pessoas se dão a oportunidade para identificar formas para lidarem com as perdas impostas pelo vírus.

Portanto, peça para seu colaborador que perdeu um ente querido para o Coronavírus, ou teve perdas de outra natureza, para considerarem o que estão perdendo nesta pandemia, o que ele/ela pode fazer para fortalecer seus vínculos nos seus relacionamentos, no trabalho, no seu amor próprio, no seu desempenho? Para aqueles que já tivemos grandes perdas na vida, vale recordar, nesse mapeamento diário de emoções, como nos recuperamos dessas perdas.

NAVEGUE SUAS EMOÇÕES E ENCONTRE UM PROPÓSITO DE VIDA

Não se trata de sublimar a dor do luto, a ansiedade e o medo gerado pela crise do Corona Vírus, de fingir que ela não existe, mas sim, de navegá-la (navegar as emoções é uma competência emocional que pode ser medida e desenvolvida) transformando-as em recursos estratégicos a nosso favor.

Exemplo: diga para você mesma vou transformar a minha dor em cura e esperança para as pessoas.

O 11 de setembro foi um momento dramático que transformou nossa forma de enxergar o mundo, assim como o COVID-19 transformará nossa realidade. Eu era o Diretor Geral do World Trade Center São Paulo nessa época e um grande amigo meu e Diretor Geral do World Trade Center de Nova Iorque, Herb Ouida, perdeu seu filho, Todd Ouida, nos ataques às Torres Gêmeas. Ambos trabalhavam na Torre Sul em andares diferentes quando o vôo 175 da United Airlines os atingiu. Herb se salvou, mas Todd perdeu a vida.

Herb e Andrea Ouida criaram uma fundação para celebrar a vida do Todd e deixar um legado significativo para a sociedade. Deu o nome do filho à fundação, Todd Ouida’s Children Foundation, cujo objetivo é o de oferecer apoio financeiro a serviços psicológicos para crianças de famílias menos favorecidas financeiramente e promover iniciativas de saúde mental para todas as crianças. A Fundação Todd Ouida  (http://www.mybuddytodd.org) tem ainda como missão aumentar a consciência e reduzir o estigma de desordens de ansiedade e depressão em crianças, reconhecendo a necessidade de intervenção precoce.

A iniciativa de Herb e Andrea trás esperança para inúmeras crianças que já foram beneficiadas com mais de US$1.5 milhão arrecadados e distribuídos como donativos para várias instituições que oferecem serviços psicológicos para crianças. E para Herb, Andrea e família. um propósito de vida que os ajuda a lidar com o indescritível e inimaginável sofrimento de perder um filho.

Ou para quem não teve perda de entes queridos, mas experimenta muito medo e ansiedade: “obrigada medo e ansiedade, vocês são um aviso para que eu me planeje melhor. Planeje as ações necessárias na minha família, no meu trabalho, na minha empresa. Ou seja, transformamos o medo e a ansiedade em um novo modelo, modelo de indicação de planejamento! Não de pânico, de paralisação, de pessimismo.

EMPATIA E COMPAIXÃO

Uma das mais conhecidas definições de empatia é a habilidade para nos colocarmos “nos sapatos do outro”, ou no lugar do outro. A autora Brené Brown define empatia como “sentindo com as pessoas” e salienta que se trata de uma “escolha vulnerável” porque exige que a pessoa acesse algo pessoal que se identifique com a dificuldade do outro. Outros pesquisadores definem empatia como a “habilidade para perceber as emoções de outras pessoas, aliada à habilidade de imaginar o que a outra pessoa pode estar pensando ou sentindo”.

Situações de crises tornam as pessoas mais reativas, irritadas. Nestes casos, faça a seguinte consideração empática. Esta pessoa é sempre assim? Este comportamento é resultado da maneira como ela lida com o medo e ansiedade resultante da crise? Leve em consideração como esta pessoa é normalmente e não como está se comportando neste contexto atual.

Grande parte das pessoas possuem a resiliência emocional necessária para lidar com o COVID-19, mas muitos terão sua saúde física e mental testadas de diferentes maneiras. Os líderes precisam ter a empatia para detectar e entender quem precisa de maior apoio agora e mesmo após o fim desta crise, pois há um enorme risco que muita gente ficará com sequelas crônicas e precisão de apoio especial para se recuperarem.

Brené Brown tem uma frase muito feliz sobre compaixão. “E se tivéssemos o desejo de reconhecer nossa própria dor e sofrimento e, ao fazê-lo, certificar-nos que não diminuímos a dor e o sofrimento dos outros?” Na realidade, esta frase é sobre autocompaixão e compaixão.

Por Carlos Aldan, CEO do Grupo Kronberg